Justiça vê situação 'incompatível com a dignidade humana' e determina interdição definitiva de carceragem em Limeira
26/12/2025
(Foto: Reprodução) Delegacia Seccional de Limeira
Wagner Morente/GM
A Justiça de Limeira (SP) julgou procedente uma ação movida pelo Ministério Público (MP-SP) e determinou a interdição definitiva do Centro de Triagem da Delegacia Seccional de Polícia da cidade, local que abriga presos até sua destinação a unidades prisionais.
O MP afirma que a carceragem, que funciona desde a desativação da Cadeia Pública de Limeira em 2009, encontra-se em condições estruturais, sanitárias e de segurança "absolutamente precárias e incompatíveis com a dignidade humana e com os padrões legais mínimos exigidos pela legislação".
Desde junho de 2023, está em andamento na Justiça um pedido de providências no qual são relatados os seguintes problemas:
Reclamações de presos sobre condições degradantes;
Relatório da Vigilância Sanitária municipal atestando que o local é "insalubre" e apresenta "elevado risco" de transmissão de doenças contagiosas;
Falta de Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB);
Duas fugas registradas em 2022 e 2024;
Superlotação crônica, com aproximadamente 26 a 30 presos distribuídos em cinco celas.
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'Insuportável odor'
Segundo a Promotoria, uma inspeção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) constatou "péssimas condições de higiene", "insuportável odor" e "colchões em péssimo estado".
A Vigilância Sanitária municipal determinou, em agosto de 2023, prazo de 30 dias para adequações que nunca foram cumpridas, incluindo: manutenção de pinturas e revestimentos, fornecimento de capas impermeáveis para colchões, criação de local para banho de sol, proteção contra intempéries e controle de pragas.
Já o Ministério Público realizou vistoria no local em 2 de abril de 2025, constatando 26 pessoas presas em condições que considerou degradantes:
Celas superlotadas;
Limpeza precária;
Paredes deterioradas e pichadas;
Colchões sem capas impermeáveis;
Falta de chuveiros (apenas uma torneira para higienização);
Falta de local para banho de sol;
Ausência de proteção contra adversidades climáticas.
Também, conforme o MP, o próprio delegado seccional qualificou o setor como "bomba relógio que pode ser detonada a qualquer momento".
A Promotoria ainda sustentou que o Centro de Triagem de Limeira vem funcionando irregularmente como cadeia pública regional, recebendo presos de múltiplas comarcas (Limeira, Araras, Leme e Pirassununga).
Liminar
Durante o andamento do processo, a Justiça já havia determinado, em caráter liminar — decisão provisória e de urgência — interdição e transferência dos presos no prazo de 30 dias.
O governo estadual recorreu contra a concessão da liminar, e o Tribunal de Justiça (TJ-SP) acolheu parcialmente o recurso para suspender a interdição total e a transferência imediata dos presos, mas determinou que o Estado apresentasse, em 20 dias, um plano de reforma e reestruturação do local, o que foi feito.
Delegacia Seccional de Limeira
Bianca Rosa/EPTV
'Incompatível com a dignidade humana'
Ao julgar procedente a ação e determinar a interdição da carceragem, a juíza Graziela da Silva Nery, da Vara da Fazenda Pública de Limeira, considerou o plano de reforma apresentado pelo Estado "inadequado e insuficiente para solucionar os problemas identificados".
"A prova dos autos é absolutamente robusta e convergente, demonstrando de forma inequívoca que o Centro de Triagem da Delegacia Seccional de Polícia de Limeira opera em condições estruturais, sanitárias e de segurança absolutamente incompatíveis com a dignidade humana e com os padrões legais mínimos", afirmou.
A magistrada também argumentou que o princípio da dignidade da pessoa humana não é suspenso durante a prisão de uma pessoa, segundo a Constituição Federal.
"A pessoa presa perde temporariamente o direito de ir e vir, mas conserva todos os demais direitos não atingidos pela sentença [...] Manter pessoas em ambiente insalubre, sem ventilação adequada, sem local para banho de sol, com colchões deteriorados, expostas a risco de incêndio sem sistema de proteção, constitui tratamento cruel, desumano e degradante", avaliou.
Presos devem ser transferidos
A determinação de interdição vale para o recebimento de presos provisórios, presos temporários ou outras modalidades de prisão, com exceção de presos em flagrante, durante o registro da ocorrência, pelo tempo máximo de 24 horas.
Foi determinada a transferência de todos os presos do local para estabelecimentos prisionais "que atendam aos padrões legais de habitabilidade, salubridade e segurança".
A juíza ainda mandou o Estado de São Paulo apresentar, em 180 dias, um plano para a criação de cadeias públicas ou carceragens adequadas nas comarcas de Araras, Leme e Pirassununga, ou que comprove que os presos provisórios dessas localidades sejam encaminhados diretamente para estabelecimentos do sistema penitenciário estadual, sem utilização de unidades da Polícia Civil.
A multa diária para o descumprimento de qualquer uma das determinações é de R$ 10 mil, limitada ao teto de R$ 1 milhão.
Condições para reativação da carceragem
Para que o centro de triagem volte a funcionar, foram estipuladas uma série de medidas:
Apresentação de laudo técnico da Vigilância Sanitária atestando condições adequadas de salubridade, higiene, ventilação, iluminação e habitabilidade;
Obtenção de Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) atestando cumprimento integral das normas de segurança contra incêndio;
Emissão de laudo técnico de engenharia atestando adequação estrutural e capacidade máxima de custodiados, respeitado o mínimo de 6 metros quadrados por pessoa, conforme previsto em lei;
Implementação de local adequado para banho de sol, sistema de ventilação e iluminação naturais suficientes, proteção contra adversidades climáticas, colchões com capas impermeáveis, instalações sanitárias em condições adequadas, sistema de controle de pragas e limpeza periódica de reservatórios;
Sistema de monitoramento por câmeras;
Protocolo operacional que assegure controle rigoroso de chaves e acesso emergencial permanente às celas.
Em nota ao g1, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) informou que não foi notificada da decisão. "Assim que for notificada, adotará as medidas cabíveis ao cumprimento da determinação da Justiça, bem como prestará os esclarecimentos necessários", acrescentou.
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