Ex-interno da Fundação Casa vira conselheiro tutelar e inspira jovens em medida socioeducativa: 'Missão da minha vida'
27/11/2025
(Foto: Reprodução) 'Guerra de Gangues': projetos sociais reabilitam jovens infratores com artes e esportes
As mãos que um dia entraram algemadas na Fundação Casa, em São José do Rio Preto (SP), hoje estão livres para orientar outros jovens que cumprem medidas socioeducativas.
O conselheiro tutelar Guilherme Nóbrega, de Jaci (SP), tem 33 anos, mas quando era adolescente ficou mais de um ano internado na instituição. Ele foi apreendido aos 15 anos por envolvimento em um roubo.
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Na época, Guilherme dividiu a mesma cela com sete menores infratores. Ele conta que o tempo em que esteve cumprindo a medida socioeducativa foi de aprendizado e reflexão. Foi ali que prometeu para si mesmo que a história de vida iria mudar.
“Digo que não é nenhum trabalho, é uma missão da minha vida. Eu ser conselheiro tutelar hoje é poder dar continuidade naquilo que eu prometi um dia. Que é cuidar, dar conselho mesmo, ver de perto a realidade e quem sabe com a minha história, inspirar, mudar, mostrar que realmente existe um outro lado”, comenta Guilherme.
Guilherme inspira jovens após internação na Fundação Casa em Rio Preto (SP)
Reprodução/TV TEM
Depois de 18 anos, a sensação de voltar à Fundação Casa é resumida por ele como “dever cumprido”, de quem colocou como propósito voltar à instituição para contar o testemunho de mudança e renovação.
“É uma sensação muito boa, diferente, realmente, como eu disse, passa um filme pela cabeça da gente, é o lugar onde eu prometi para mim mesmo e hoje está acontecendo, de uma forma talvez inusitada, mas acredito muito em Deus também, Deus sempre tem um propósito na vida da gente”, reflete o conselheiro.
Atualmente, a unidade abriga 77 menores. Esse número aumentou nos últimos seis meses, devido ao tráfico de drogas. Cinco deles cumprem medida socioeducativa por homicídio. Entre eles, estão adolescentes envolvidos com a guerra de gangues.
A matéria é mais uma da série "Guerra de Gangues", cujos dados foram obtidos com exclusividade pela equipe da TV TEM. As três primeiras reportagens podem ser acessadas no link.
Menores apreendidos
Polícia Civil de Rio Preto (SP) apreendeu 11 menores envolvidos na disputa por territórios do tráfico
Arquivo pessoal
Imagens obtidas pela polícia mostram adolescentes exibindo armas, drogas e dinheiro nas redes sociais.
A atitude é comum entre os envolvidos em atos infracionais, na guerra de gangue.
Desde o ano passado, a Polícia Civil apreendeu 11 menores envolvidos na disputa por territórios do tráfico. Além disso, dez foram baleados e quatro morreram. Os adolescentes entrevistados pela reportagem não vão ser identificados.
“Eu acho que é a falta de oportunidade de mostrar o futuro para eles. Porque você entra nisso daí porque você não pensa no futuro. Você não pensa nas suas atitudes e no que pode acontecer depois”, conta um dos adolescentes.
Adolescentes fazem atividades para ressocialização em Rio Preto (SP)
Reprodução/TV TEM
A lei diz que um adolescente pode ficar no máximo três anos internado na Fundação Casa. De seis em seis meses eles são avaliados. Entre eles, há reincidentes, que receberam a liberdade e, depois, voltaram a cometer crimes.
“Eu fazia sem pensar no meu futuro, não pensava. Porque quando eu saí a primeira vez, eu só pensava em sair. Não pensava direito no meu futuro, no meu trabalho, em trabalhar”, comenta um menor.
Adolescentes são ressocializados na Fundação Casa em Rio Preto (SP)
Reprodução/TV TEM
Trabalho de ressocialização
Na Fundação Casa, os adolescentes são acompanhados por 120 profissionais. Na internação, eles têm acesso à educação regular, cursos profissionalizantes, esporte e projetos culturais.
O trabalho é desenvolvido com adolescentes para promover a ressocialização deles, como ocorreu com Guilherme. Anualmente, a instituição oferece um evento para destacar o talento artístico dos jovens e fortalecer o acesso à cultura.
Durante as apresentações, eles são convidados a mostrar a criatividade por meio da dança, música, teatro e poesia. Por meio da arte, compartilham histórias e sonhos com autoridades, pais e responsáveis.
Mãe, Beatriz Amaral, chora com apresentação do filho internado na Fundação Casa, em Rio Preto (SP)
Reprodução/TV TEM
Emocionada, a mãe, Beatriz Amaral, contou à TV TEM que veio de Ariranha (SP) assistir à apresentação do filho. “Esses trabalhos que eles fazem, vai acolhendo eles, vai fazendo eles se sentirem melhor, é muito importante, é muito bom o que eles fazem aqui. Eu acredito [na recuperação], porque se eu não acreditar, quem vai acreditar”, pontua a mãe.
Acompanhamento do processo
Enquanto os adolescentes cumprem medidas socioeducativas na Fundação Casa, a Vara da Infância e Juventude acompanha todo o processo. À TV TEM, a promotora explicou sobre as causas que levam os menores ao crime.
“Um adolescente fora da escola, morando em lugares mais desfavoráveis, que não tem a estrutura de política pública acabam ficando na rua e aí eles acabam sendo acolhidos pelos traficantes. E o tráfico acaba sendo porta para os outros atos infracionais, que aí é a briga de gangues, disputa de pontos de tráfico de drogas”, explica a promotora.
Em Rio Preto, quando o menor infrator tem menos de 12 anos, ele e os pais ou responsáveis são encaminhados para os conselhos tutelares do município. O Conselho Norte, por exemplo, acompanha 38 mil famílias: 10% são de menores envolvidos em atos infracionais.
Adolescentes fazem atividades de ressocialização na Fundação Casa em Rio Preto (SP)
Reprodução/TV TEM
🚔 'Guerra de Gangues'
Reportagem e apresentação: Monize Poiani
Produção: Janaína de Paula
Imagens: Eduardo Durú e João Selare
Edição de imagem: Aristeu André
Edição de arte: Guilherme Orsi
Edição de texto: Thiago Vasconcelos
Edição de texto web: Desirèe Assis e Eric Mantuan
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